Onde o rio se despede do Brasil, ali viveu o Seu Zeca, o último morador brasileiro no extremo oeste gaúcho
No rosto marcado pelo tempo, o olhar do Seu Zeca revela uma alma maior do que os rios pelos quais já navegou.
Neto de inglês com avó índia, Seu Zeca nasceu em Venâncio Aires e tomou gosto pela construção de barcos desde pequeno, no estaleiro que o seu pai mantinha nos fundos de casa.
Foi essa profissão que o levou para perto da Ilha Brasileira quando trabalhou para o ex-presidente João Goulart. “Em São Borja, construi barcos para ele. Mas, quando ele perdeu o cargo, perdi o emprego”, contava.
Depois do golpe militar de 1964, Seu Zeca, a mulher e três filhos foram para a Ilha Brasileira. O que o atraiu foi a movimentação das balsas carregadas de madeiras que cruzavam para a Argentina e Uruguai. Seu Zeca foi balseiro e construtor naval.
“A vida do Seu Zeca, na Ilha Brasileira, reafirma a geografia do Rio Grande do Sul e mantém viva a história de um pedaço de terra quase esquecido” (Mauro Maciel)
Outras famílias viviam na ilha plantando e pescando. Com a escassez da madeira e a diminuição de peixes nos rios, todas abandonaram a ilha. Menos o Seu Zeca.
Uma pequena casa — sem luz elétrica e água encanada –, um pomar, uma horta e uma criação formavam o pequeno paraíso do Guardião da Ilha Brasileira
Seu Zeca recebia frequentes visitas na Ilha Brasileira: pesquisadores, repórteres, jornalistas, escritores, cineastas, todos interessados em sua vida na Ilha. Recebia aos visitantes com extrema cordialidade. Bom de papo e dono de uma memória invejável, o seu Zeca gostava de conversar lembrando os tempos passados, “melhores que os de hoje”, segundo dizia…
Ao longo de 40 anos, Seu Zeca viveu na ilha, pescando, plantando e protegendo a Natureza. “Cuido para que uruguaios, argentinos e brasileiros não venham cortar as árvores nativas”, explicava ele.
Uma bela e agradável avenida de canafístulas, plantadas pelo Seu Zeca, liga o pequeno porto, no rio Uruguai, à casa de pedra e madeira construída por ele.
Na grande ilha, banhada pelos três rios da Tríplice Fronteira (Meriñay, Uruguai e Quaraí), são encontradas diversas espécies de árvores nativas. Em 2005, a ONG Atelier Saladero fez um levantamento e catalogou aproximadamente 100 espécies que praticamente desapareceram do continente, devido o avanço das lavouras extensivas.
Nesse lugar, Seu Zeca semeou e plantou para sobreviver. Mas, também, foi ele quem floriu, embelezou e perfumou a Ilha Brasileira.
O Adeus
Na madrugada da quinta-feira, 14 de julho de 2011, um dia antes da exibição do programa sobre a sua vida — o documentário “O Guardião da Ilha”, exibido no Canal Futura –, seu Zeca se despediu para sempre….
Estava com 93 anos e faleceu na cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Já não andava bem de saúde há alguns meses. O documentário e o vídeo inédito são a nossa homenagem ao admirável e queridíssimo seu Zeca ( Luis Nachbin).